quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Raqueiro X Roqueiro - Quem é a pior casta?

Descrição de Carlos Fialho


O Raqueiro
Ele tem um notável problema de dicção. Como um Cebolinha mal programado troca o “V” pelo “R” sem a menor cerimônia. Isso não o atormenta. Diz ser coisa do sotaque interiorano, pois cresceu no campo, em meio a criações de gado e safras das mais diversas. E foi precisamente no saudável ambiente interiorano, de pessoas humildes e trabalhadoras, mas também rudes e pouco intruídas, onde cresceu e apreendeu valores que permeiam sua vida inteira. Porém, acabou por se identificar muito mais com a rudeza e ignorância do que com a humildade e o trabalho que enobrece o homem e lhe atribui caráter.
É que o Raqueiro autêntico, que gosta de raquejada, de Carraleiros do Forró e de se mostrar pro porro, nunca precisou dar um prego numa barra de sabão. O pai já trabalhou por ele. É fazendeiro rico, criador de gado, produtor de muitas toneladas de grãos, dono de terras e dos mais modernos equipamentos para otimizarem o cultivo, desde ordenhadores computadorizados a tratores de último tipo.
Com tanto dinheiro sobrando e já havendo outro trabalhado por ele, só resta ao Raqueiro curtir uma vida boa, andar pelos interiores do RN, tal qual um Ojuara sem nenhum caráter, na sua suntuosa picape de novo rico e gastar a polpuda mesada que nunca falta. É verdade que ele também costuma vir ao litoral e à nossa capital (que aliás é uma cidade do interior à beira-mar) e se sente em casa por aqui. Ainda mais nessa época de veraneio, quando pode ir de Pirangi a Muriu, ver concertos dos mais variados repertórios (os Aviões, os Solteirões, os Raparigueiros, os Plays, Rictor & Léo) e atolar seu 4×4 em areias, recebendo socorro de veranistas desavisados e bem-intencionados. Tenho a impressão que atolar seu veículo é um momento de glória, pois dá a ele a oportunidade de exibir sua condição de vida confortável para toda uma turba de pessoas que se amontoam como moscas em redor do seu possante.
Nas vaquejadas, chega a um bar e paga cinquentinha ao sanfoneiro para não parar de tocar um instante, mais cinquentinha ao garçom pra não arredar do seu lado e pede todo tipo de bebida pra não faltar nada nem pra ele nem pro seu séquito de bajuladores e marias-botinas que mantém o seu ego inflado com elogios incessantes, além de darem ouvidos a suas incríveis peripécias e violentas pelejas em que dera cabo de 3 ou 4 no braço e puxara uma arma para outros tantos.
O Raqueiro, por ter tido sempre tudo nas mãos, acabou por não se habituar a ser contrariado, tendo portanto, desenvolvido no âmago do seu ser uma natureza deveras violenta. Traduzindo para uma linguagem que até ele entenda: é um valentão sem cérebro doido por uma briga. Vive provocando intriga e contando seus causos cheios de exageros e inverdades em que enfrentaram não-sei-quantos e atiraram em não-sei-quem. O Raqueiro anda armado e em bando. É capaz de partir para cima de um pobre rapaz solitário e espancá-lo com a ajuda de 5 comparsas e depois sair bradando por aí que estava quieto, na dele, e foi atacado em sua honra.
Aliás, honra para ele, é algo exclusivamente masculino. O Raqueiro é representante de toda uma cultura coronelista e machista nordestina. Coisa muito da nossa. Logo, por uma questão de conservação da moral e dos bons costumes, todo Raqueiro que se preze deve tratar as mulheres como lixo. Sobretudo as namoradas. Muitas vezes chama as mulheres de vacas (algumas vezes de raparigas). E pra combinar com a saborosa ruminante, ainda orna sua cabeça com belos pares de chifres. Sai escondido, trai todas as semanas e dá em cima até das amigas da namorada. Tudo isso além de gritar, humilhar, diminuir e destratar sua “querida” sempre que possível. Dirige-se a ela sem qualquer cortesia e é incapaz do menor gesto de carinho (beijar em público é feio!). E assim segue sua vida e arranjando garotas subservientes que se submetem aos seus caprichos de menino mimado e ignorante de olho nas posses, no sobrenome da família e nos hectares da fazenda.
Cortesia e gentileza são atributos desconhecidos do Raqueiro, assim como são muitas as fontes de sua completa jumentice. Por favor e Obrigado, por exemplo, nunca fizeram parte do seu vocabulário de pouco mais de 100 palavras.
É fácil reconhecer um Raqueiro. Fala alto como se a cidade inteira precisasse saber quanto custou o cavalo de raça que adquiriu na última Festa do Boi. Conta vantagens sem parar de coisas que fez e surras que deu e raparigas que comeu. Sai ciscando por aí e cantando pneu com sua caminhonete cabine dupla importada. Chama os amigos alternadamente de “major” ou “meu patrão”, uma vez que desconhece quaisquer outras formas de se referir às pessoas.
Se você encontrar um tipo assim por aí (e acredite: você vai encontrar), corra como se estivesse fugindo da doença da vaca louca ou de uma manada de zebus enfurecidos. Porque se ele lhe pegar pra prosear, major, num rai ser muito bom não.

O Roqueiro






Semana passada eu falei do Raqueiro, uma figura ímpar, mas que anda por aí aos pares. Hoje, vou alertar a sociedade para um outro indivíduo, primo distante (mas não muito) do nosso botinudo forrozeiro: o Roqueiro.
Ele é cabeludo, todo tatuado e só veste preto e toca numa banda de Rock bem pesado. Mesmo quando vai a um casamento, procura manter sua “autenticidade”, usando uma camisa do Obituary ou do Iron. Ouve bandas de Metal ou Hardcore (Nunca os dois. São como água e vinho, Montechio e Capuletto, Flora e Donatela.) ou qualquer um dos seus derivados sonoros a muitíssimos decibéis e exibe o seu jeito de ser com orgulho e satisfação. Algumas vezes descobre uma banda nova e barulhenta da qual gosta muito. Mas logo deixa de gostar da banda se perceber que ela passa a ser conhecida por mais do que 3 pessoas. “Eles deixaram de ser true! Se venderam!”
A pior ofensa que você pode fazer a um Roqueiro é dizer que ele se vendeu. É como xingar a mãe e o Lemmy juntos. Por isso, para experimentar um verniz de coerência, ele não vê TV aberta, pois é contra os grandes monopólios das telecomunicações (falar mal da Globo dá o maior ibope) e condena qualquer pessoa que veja filmes hollywoodianos, mas não dispensa uma TV por assinatura cara que pertença aos mesmos grupos empresariais condenados por ele ou de ver um bom filme de terror produzido pelos mesmos estúdios de Hollywood que ele tanto abomina.
Ele também condena todos os seus amigos que foram trabalhar com publicidade ou assessoria de qualquer natureza, uma vez que são todos uns vendidos e mercenários. No entanto, eu não diria que o Roqueiro apresenta tendências ao socialismo, pois ele mesmo despreza qualquer militância política ou engajamento institucional. Os políticos e aqueles que trabalham para eles são todos uns abjetos seres merecedores de morte lenta e dolorosa. Generalização é uma das especialidades do Roqueiro (poupa-lhe do laborioso trabalho de pensar, prática a qual está pouco habituado).
Mas apesar das generalizações mil, paradoxalmente, ele esbraveja com frequência contra o preconceito que sofre por ser cabeludo, tatuado e por gostar de um som diferente dos outros. Nunca se toca para o fato de que ele próprio se julga membro de uma casta superior, mais evoluída, detentora dos conhecimentos absolutos a respeito da vida, do universo e de tudo mais e que, por isso trata com agressividade e desdém todas as pessoas que não compartilham do seu mesmo gosto musical.
O preconceito do Roqueiro não se restringe apenas ao gosto musical e acaba por estender-se a homossexuais, pessoas que tenham alguma religião (qualquer uma! Até quem lê horóscopo serve.)ou que gostem de alguma banda que mais de meia dúzia já tenha ouvido falar. Em suma: cultiva uma sincera ojeriza a tudo aquilo que não foi concebido à sua imagem e semelhança como se não fosse a aceitação incondicional, a convivência pacífica entre as diferentes opiniões e a natureza democrática da nossa cultura que permitisse a existência de pessoas como ele.
O Roqueiro se orgulha da sua ignorância. É, talvez, o seu maior bem, ao lado da sua guitarra e das suas indumentárias negras. Afirma que faz mais de 10 anos que não lê um livro e que se ler até uma reportagem da Rock Brigade tem dor de cabeça. Essa característica contribui com a formação de sua atitude desprendida com relação ao mundo e sua pose de homem mau, bruto e rude que gosta de chocar a sociedade, negando-se a absorver o conhecimento gerado por ela.
O Roqueiro se reúne com seus amigos, que curtem o mesmo tipo de som em inúmeros eventos de camisetas pretas que ocorrem durante todo o ano no Centro Cultural Dosol. Muitos até são componentes de sua banda, mas nem todos são iguais a ele. Eles gostam do som, mas respeitam aqueles que não têm o hábito de ouvi-lo.
O que torna mais grave o comportamento xiita e a intolerância desmedida do Roqueiro é que, no passado, ele foi um jovem que curtia Mastruz com Leite, dançava seu forrozinho serelepe no São João do Vila Folia e não via nada de errado nisso. O problema é que ele parece se esquecer de um princípio básico defendido e difundido por ele próprio: “Respeite para ser respeitado”.
Textos divulgados entre os dias 07/01/09 e 12/01/09

 
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