segunda-feira, 30 de março de 2009

Mario pegou a flauta e foi para um mundo muito diferente

Como sobreviver a uma balada VIP

Por Patrício Júnior

Por alguma circunstância inexplicavelmente benéfica ao seu futuro, você ganhou entradas VIPs para uma festa. VIP mesmo. Pulseirinha com cores fosforescentes, camiseta com logomarca de cerveja ou até mesmo carimbo no pescoço que só aparece sob a luz negra: não importa como seu eu foi apartado do resto da multidão e erigido ao topo da cadeia alimentar das baladas. Só importa uma coisa: você é VIP.

A primeira coisa a fazer é escolher a roupa. Tenha em mente uma verdade irreversível: os VIPs são sempre VIPs. O que leva à seguinte conclusão: por mais que esta balada tenha todas as potencialidades para ser a melhor da sua vida, não vá vestido como se não houvesse amanhã. Tente um visual (juro que quase escrevi look, juro) que equilibre elegância e despretensão. Traduzindo: não vá vestido como se fosse a primeira vez que sai de casa, muito menos como se estivesse indo a um churrasco na laje do Waldécio de Dona Nena, aquela de Seu Juvenal de Creusa, que casou com Toinha antes de engravidar Jerusa do armarinho de Tota. Enfim: esqueça, ao menos uma vez na vida, que você é pobre.

Outro cuidado que você deve ter com a indumentária (juro que quase escrevi look), é fazer com que o símbolo máximo de seu apartheid baladístico esteja à mostra, bem visível, independente dos acessórios que você usar. Portanto, se vai colocar bijuterias, use apenas em um dos braços. O outro deve estar livre para a pulseira VIP. Se vai usar camisa de manga longa, arregace-as. O importante é que todos vejam (do segurança da área VIP ao vendedor do carrinho de cachorro-quente que você vai jantar) que agora você não é como o resto do mundo. Você é uma very important person.

Ao chegar na tal balada, é bom ter em mente que os VIPs entram por outra porta. Então nada de entrar na fila comum perguntando se estão distribuindo sopão. Deixe essa piada infame pra fazer semana que vem, quando você tiver que se acotovelar para conseguir entrar na feijoada de Dodô no Clube de Mães. Esta noite, tudo será diferente. Entre pela porta VIP. Geralmente, não há filas. Mas se houver, não entre nela jamais. Parafraseando Veríssimo, VIP que é VIP nunca entra numa fila. Seguindo os passos da etiqueta vipística, você fica por ali por fora, vendo e sendo visto, bebericando de sua vodka ice (que foi 7 mangos no posto vizinho ao cachorro-quente de Tota) enquanto torce para que seja open bar e você não tenha que se desfazer dos cinco contos que lhe restam.

Quando não há mais resquício algum de aglomerações, você se dirige à entrada VIP. O segurança olha pra você como se te conhecesse, mas você ignora. Claro. Os VIPs não cumprimentam seguranças, muito embora este seja Eunapiano, neto de Jerusa, filho de Nina com Seu Irineu. Você ignora.

Claro que você não entra na festa diretamente na área VIP. Não teria graça nenhuma. O bom é dar uma circulada mostrando sua pulseirinha pra todo mundo, como dissesse “reles mortais, na hora do empurra-empurra estarei bem longe da sub-raça que vocês representam”. A melhor forma de dizer isso sem precisar efetivamente dizer é ser simpático com os VUPs (very unnecessary people). A simpatia dos VIPs com os VUPs é semelhante às cestas básicas que os podres de rico distribuem aos mais necessitados no Natal enquanto ceiam uma costela de vitelo com couscous de trufas brancas: é repleta de uma complacência que diz “ajudo” e “fique longe de mim” ao mesmo tempo.

Depois dessa circulada, você finalmente vai pro camarote. Ah, tinha esquecido de dizer, camarote é a tradução pro português de VIP area. Mas pode significar muitas outras coisas. O que você entra pode ser apelidado, por exemplo, de fábrica da Matel. É, amigo, na área VIP ninguém tem a personalidade glútea de Juciara, nem as curvas de Jecylésia, muito menos os cachos fartos de Ralyssa Maiara (aquela de Seu Juvenal, que casou com Toinha  antes de engravidar Jerusa do armarinho de Tota). Todas as mulheres do camarote são exatamente iguais: cabelos esticados e loiros, vestidos presos por um cinto grande, costas nuas, sorrisos de plástico. Não que elas sejam ruins. Não mesmo. Enquanto depositórios de esperma, funcionam perfeitamente – e ainda têm a vantagem de ser mais quentinhas do que uma boneca inflável. Quanto ao resto, não espere mais delas que das supracitadas bonecas: o que preenche a cabeça de ambas é exatamente a ausência da mesma coisa.

Circulando entre elas, você começa a se animar. Obviamente, elas exalam para suas narinas o feromônio do pecado, o ardiloso odor da volúpia, o insensato torpor da periquita em chamas. Mas sua excitação dura pouco quando você nota que as Barbies nunca ficam com o Senhor Batata: elas querem mesmo é o Ken. Que são, também, todos iguais: malhados, cabelos partidos no meio, camisetas coladinhas, calças da Gap. Você, definitivamente, não está nesse grupo. Mas nem é por sua barriguinha de chope, nem por seu corte de cabelo fora de moda (quase escrevi old fashion, quase). O que definitivamente coloca você para fora do Clube do Ken é sua camiseta da Riachuelo.

Desiludido com as bonecas infláveis, você decide beber. Eis, então, o primeiro grande percalço da noite. Você não pode chegar no bar e simplesmente perguntar se a bebida é de graça. Que humilhação! Seria como assinar um atestado de liso (pré-impresso na sua camiseta). Então, você faz o caminho mais inteligente: se aproxima do garçom e, como se estivesse prestando atenção em outra coisa mais importante que comprar uma dose de uísque, pergunta quanto custa a garrafa do 12 anos. Veja bem, a garrafa. O garçom olha instintivamente para a sua camiseta (porque a futilidade das grifes não acomete apenas aos ricaços) e, sem acreditar que você tem dinheiro para pagar sequer por um copo d’água, responde: “Hoje é open bar”.

Fogos espocam em seu cérebro, tambores rufam em seu peito, seu olhos lacrimejam espontaneamente, você diz a si mesmo que nunca mais voltará a se acostumar com o sabor do rum Montila. E então, contendo a emoção, você faz um ar blasé e fala sem notar que uma lágrima já desce por suas maçãs: “Me dá um uísque com energético”. E já completamente tomado pelo frenesi, acrescenta quase num muxoxo de dor: “12 anos, viu?”.

O que acontece nas próximas horas é um misto de apresentação de balé contemporâneo e concentração do bloco Filhos de Gandhi. Resumindo: você se joga. Em menos de uma hora, você já passou do uísque-com-energético para o zuísgue-gom-enerzédigo. Isso depois de: cair por cima de um grupo de meninas que requebrava ao som do tuntz-tum (duas vezes); fazer o garçom derrubar uma bandeja de copos sujos sobre um Ken que sorria faceiro a outro Ken (duas vezes); usar o banheiro feminino intrigado com o fato de todos os homens, de repente, mijarem sentados e gritarem escandalosamente ao te ver (cinco vezes); fazer amizade com uma pilastra e comentar ironicamente o fato dela ignorar suas perguntas mas, contraditoriamente, não sair do seu lado (10 vezes). A vida é uma festa. Mas na terceira vez que você esbarra no garçom e o líquido azul do copo longo voa pelo ar, seu destino nesta balada VIP muda completamente.

O drink voa diretamente a um casal que se beija encostado na parede. Você pensa rápido e resolve impedir que o incidente destrua o penteado da pobre garota (que, certamente, faria um escândalo ao ver sua escova arrasada, fato que culminaria em sua expulsão da boate). Você se joga em direção ao copo – com os braços juntos para diminuir o atrito do ar com seu circunférico ser – e num giro olímpico que deixaria qualquer Diego Hypólyto roxo de inveja, você rebate o copo no ar e desvia sua trajetória. O líquido se derrama sobre as lisas madeixas do rapaz. Que, ao perceber seus cachos de Maria Betânia emergirem de uma escova destruída, faz um escândalo.

Deitado no chão, com o bico de papagaio latejando, você tem certeza de que ele ficou melhor de cabelos encaracolados. Antes era a cara Senhor Miyagi, agora está que nem o Cauby Peixoto. Mas antes que seu raciocínio possa ser vebalizado, seguranças invadem o camarote. As pessoas VIPs parecem apontar pra você e dizerem “está ali o representante dessa sub-raça”. Você é erguido por um rapaz que você tem certeza que já viu em algum lugar. Na porta da boate, você lembra o nome dele. E grita: “Eunapiano, neto de Jerusa, filho de Nina com Seu Irineu”. Antes de chutar seu traseiro, ele sussurra cruelmente em seu ouvido: “Eunaciano, panaca”.

Bêbado, caído no chão, sentindo o gosto de terra, sem forças para se levantar (um farrapo humano, enfim), você acaricia a pulseirinha VIP que ainda repousa em seu braço. E sorri. Porque é muito bom ser VIP.

Música de 1ª na 2ª – Que Vez

 
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