quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Puberdade eterna

Por Carlos Fialho

Cultura. Qual é a de Natal?

Uma adolescente de 409 anos. É isso que Natal é. No momento ela passa por aquela fase que envolve o surgimento de espinhas, pelos em diversas partes do corpo e um certo volume sob a blusa. Uma fase que se caracteriza pela completa confusão, em que ninguém, principalmente o adolescente, não entende nada. “Para onde irei? Que caminho seguir? Qual o meu papel no mundo? Quem sou eu?” são algumas das perguntas sem resposta feitas por ela ao deitar-se no divã de um bom psicanalista.
Natal está naquele momento de busca de sua identidade, de descobrir o corpo, de ter vergonha dos carinhos maternos em público, de escolher entre as últimas brincadeiras de boneca ou a sua primeira festa com a turma da escola. E nessa fase de descobertas, quando tudo é novidade, ela quer saber qual identidade cultural deve assumir. Imaginem vocês a angústia desta adolescente, desabafando que cresceu muito de uma hora pra outra. Que estava lá, às voltas com suas inocentes brincadeiras e os seus 100 mil habitantes e, quando viu, já eram 800 mil e ela sem saber o que ia fazer agora.
A verdade é que uma cidade que salta de 100 mil para 800 mil habitantes em pouco mais de meio século, recebeu marchas migratórias contínuas e consistentes, tornando-se alvo de influências das mais diversas, desde os fortíssimos costumes sertanejos e sua literatura oral, passando pelos migrantes dos outros tantos estados brasileiros e suas peculiaridades (pra se ter idéia, só gaúchos, são 15 mil) e chegando ao atual estágio de segunda residência européia e especulação imobiliária. No meio dessa geléia geral, a cultura se sente confusa, como filha de pais separados em meio ao fogo cruzado, sem saber a quem obedecer.
É claro que essa falta de raízes mais profundas tem seus desdobramentos positivos e negativos, confirmando a antiga crença de que não há mal que não traga um bem ou que todo bem traz consigo algum efeito colateral. Natal é mais cosmopolita que outras capitais nordestinas, apesar de mantermos um quê de brejeirice e um certo comportamento provinciano, muito provavelmente herança de nossos genes seridoenses. Outro diferencial advindo dessa tradição de receber quem chega de outros lugares, moldou nosso comportamento e nos transformou no povo mais acolhedor do universo, elevando nossa vocação turística à milésima potência, mas provocando uma tendência a achar que tudo o que é bom vem de fora.
Outro dia o jornalista Tácito Costa chamou a atenção dos participantes de um Fórum de discussão online. Ele perguntou: “alguém sabe as propostas dos candidatos a prefeito para a cultura?” Ninguém sabia. Até que a Tribuna de Norte de sexta passada, em reportagem da jornalista Michele Ferret, expôs o que cada um pretende fazer. Entre continuar o que vem sendo feito e divagações gerais sobre nada com coisa alguma, os candidatos e candidatas mostraram estar afinados com a identidade (ou falta de) cultural natalense. Não sabem nem pra onde vão. Não os culpo. É difícil lidar com uma adolescente problemática.
O Henrique Fontes, ator e administrador da Casa da Ribeira, uma das iniciativas vencedoras em Natal, participou de um seminário chamado “Cultura. Qual é a de Natal?” Uma espécie de terapia em grupo para tentar encontrar dar um prumo pra essa cidade mal resolvida. Aliás, acabo de viajar numa comparação meio absurda. Vendo o trabalho do pessoal da Casa da Ribeira e do Clowns de Shakespeare, acho que fazer cultura em Natal é como competir nas para-olimpíadas: as limitações são tantas que quem participa já é vencedor. Fecha parênteses.
A verdade é que nossa cidade não tem ainda uma identidade cultural consistente, um rumo traçado. São 5 da manhã e estamos meio bêbados nesse enorme corredor da folia que define nossas políticas públicas e privadas para a cultura. Vamos acordar com uma tremenda dor de cabeça, amnésia alcoólica, ressaca moral, a mesma crise de identidade dos últimos 409 anos e não sabemos se vamos ter grana pra pagar a terapia.

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