quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Caminho das Índias: Lixo em horário nobre

Patrício Júnior


A Globo é especialista em forçar a barra. Mas com “Caminho das Índias” foi longe demais. A novela tem o claro objetivo de se tornar uma moda e emissora nem disfarça: antes da estréia, já alardeava que os motivos indianos estavam tomando conta das ruas. Seria muito bom que fosse um fracasso, pra ensinar a Globo umas boas lições sobre os limites da formação de opinião. Pelos índices do Ibope, resta uma esperança: a trama de Glória Perez patina com uma média de 36 pontos. “A Favorita”, a antecessora, teve média de 45 (que já foi baixa pros parâmetros globais).
A Globo está fazendo de tudo. Matérias sobre a índia no Fantástico, Globo Repórter especial, Jornal Hoje noticiando que as roupas de Maya conquistaram as mulheres. Só o que não fez foi o principal: investir numa boa história.
“Caminho das Índias”, como toda novela de Glória Perez, é uma sucessão de acontecimentos sem sentido falsamente baseados em uma cultura distante. Ou seja, a Índia não é daquele jeito. Em uma entrevista, comparando-se à Janete Clair, Glória Perez disse que era uma ficcionista e não uma jornalista. “Eu invento histórias, elas não precisam ser reais”, argumentou a autora. Eu discordo taxativamente. As melhores histórias que já li, por mais inventivas que fossem, jamais perdiam uma característica primordial: a verossimilhança. De “O Estrangeiro” de Alberto Camus (um homem não demonstra emoções com a morte de sua mãe e é preso como suspeito) até “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley (no futuro, a reprodução é assistida, o amor é proibido e os seres humanos são criados segundo a função que vão desempenhar), todas as histórias eram plausíveis.
Assisti apenas ao primeiro capítulo de “Caminho das Índias” e foi o suficiente. Se eu só assistir ao último, entenderei a história por completo. Primeiro, a facilidade com a qual os personagens voam do Brasil pra Ásia – sem demonstrar cansaço ou desconforto com o fuso horário, sem ter problemas de visto, muito menos qualquer preocupação com o dinheiro – é irritante. O fato de todo mundo falar português (independente do país em que está) e de vez em quando soltar uma expressão em indiano é outra coisa que me tira do sério. Outro ponto fraco é o didatismo sobre a cultura hindu. Já falaram tanto de brâmanes e coisas afins, que fica difícil torcer pelos personagens: eles parecem mesmo catedráticos de cultura indiana num mestrado chatíssimo sobre culturas exóticas (aliás, a própria expressão “cultura exótica”, repetida à exaustão nos telejornais da emissora, me dá náuseas).
Mas tudo isso é o de menos, afinal defeitos aparecem em diversas obras da televisão e a gente passa por cima e continua achando bom. “Lost”, “Heroes”, “CSI”, até mesmo meu xodó “Fringe”, dão lá suas escorregadas. Mas compensam por nos apresentar tramas bem boladas, muitas delas originalíssimas. Não é o caso da história da Globo.
Toda novela de Glória Perez é igual. Compare. A começar pela cultura distante. “Explode Coração” e os ciganos, “O Clone” e os árabes, “América” e os estadunidenses, e agora nos empurram a Índia. O segundo passo da receita de bolo de Glória Perez é uma protagonista que quer ir contra as tradições. Dara, Jade, Sol, Maya: todas elas são iguais. Além de terem nomes de cachorro poodle, foram obrigadas a se casar com um homem que não amam e são apaixonadas por outro. Dara tinha o cigano Igor (numa atuação histórica, na qual a tentativa de ator Ricardo Macchi expressava emoções com o pâncreas), Jade tinha Saydi, Sol tinha o americano sem graça e Maya tem Márcio Garcia. Elas passam a novela toda sofrendo para se adaptar a uma cultura estranha, de onde quer que ela seja, e no final, após litros e mais litros de lágrimas, provam que correr atrás dos próprios sonhos vale a pena. Acho que vou vomitar.
“Caminho das Índias” é mais um excremento viscoso escorrendo de nossas telinhas. E não incomodaria tanto se a Globo deixasse de tentar empurrá-lo nossa garganta abaixo. Apesar de não estar assistindo à novela, sei de tudo que acontece nela. É impossível permanecer alheio. A índia está em todos os lugares, de comerciais no meio da programação a sites de notícias. Uma pena. Gosto de histórias. Gosto de novelas. O problema é que as nossas estão cada vez piores. Sinto uma imensa saudade de quando ninguém sabia quem matou Odete Roitmann.

0 comentários:

 
BlogBlogs.Com.Br