Explodindo os bunkers mossoroenses
Caros conterráqueos,
habitando este luxuoso orifício incrustado na costa do Atlântico sinto-me agora finalmente integrado com o mundo: eis que Mossoró, cidade-irmã, certamente beneficiada por suas condições adequadas de calor veio a se tornar a primeira chocadeira natural de alienígenas que já se teve notícias. Ou pelo menos foi o que li no Jornal “O Mossoroense” da última quinta-feira, que noticiou o aparecimento de um Ovo de ET na casa de Seu Concriz, poeta e comerciante local. A seguir, um resumo do debate que houve entre diversas autoridades em volta do óvulo. Também estaremos lá, graças a este arrojo da tecnologia que é o seu córtex cerebral.

Abraço fraterno,
Márcio N.
OVULUM MOSSOROENSIS
(por Nazianovski-Szienov II)
Hoje cedo em Mossoró não se falava de outra coisa senão do estranho incidente naquela fervilhante cidade do semi-árido: um ovo de ET, pesando aproximadamente 100 gramas, apareceu do nada na casa de um distinto comerciante, o Seu Concriz, que naturalmente perdeu o sossego com a multidão de curiosos que tomou conta do seu quintal. A saber, neste exato momento ocorre um animado debate entre os especialistas que se aglomeram em volta do ovo.O primeiro a pedir a palavra foi o Ufólogo, uma vez que era ele a autoridade mais credenciada no assunto. Em um tom de voz passivo e quase didático o homem esclareceu que dependendo da espécie a criatura poderia nascer somente na próxima Era Geológica, tornando inútil aquela euforia infantil, conduta perfeitamente cabível em se tratando de populares ignorantes mergulhados no senso-comum. O Ufólogo mudou um pouco o tom do discurso e passou a falar de um modo mais amigável, quando, retirando do bolso um papel amassado, leu aos presentes um comunicado; explicava que era seu desejo ter o próprio corpo congelado, para que pudesse, num futuro distante, acompanhar o nascimento do ET com a atenção que só um especialista de sua estirpe ofereceria.
Percebendo o disparate no pedido do ufólogo o cientista não se conteve e soltou uma larga gargalhada. - O pedido só não é digno de uma porta - disse - por ser Mossoró uma cidade à frente de sua época, o que poderia obviamente nutrir o ufólogo com ambições científicas; exceto, talvez, por um detalhe: Mossoró é uma cidade tão avançada, e tanto, que está a séculos de vantagem com relação a todo o restante do mundo quando o assunto é aquecimento global. Como se vê, tornamo-nos sem muito esforço, exceto por uma felicidade geográfica, a primeira chocadeira de alienígenas da Terra; e, do mesmo modo que ovos podem aqui ser chocados, é também possível que sejam fritos se expostos no asfalto ao meio-dia; o calor absurdo descarta a mais remota possibilidade de congelamento neste território em nítido estado de ebulição. - e, dito isso, o cientista soltou outra larga gargalhada de cientista louco e se abanou um pouco.

- Herege, filho de Satã! Apedrejemos o anticristo! - Gritava a fanática religiosa erguendo um volume da “Bíblia Para Radicais” [Limbo Edições, 666 páginas]. Por sorte, nenhuma das pedras lançadas pela fanática atingiu o Ovo, protegido bravamente pelo veterinário que mais tarde precisou ser levado ao setor de emergência do hospital municipal [onde acabou sofrendo uma operação de mudança de sexo por engano e teve seu nome trocado para Úrsula – um desejo pessoal]. A fanática alertou ainda sobre a sorrateira chegada do demônio que brotaria com toda a sua fúria quando chifres perfurassem a casca do Ovo. E então foi interrompida pelo jurista.
O jurista, homem racional, apaziguou a situação com um cruzado nos queixos da fanática religiosa. - Agora podemos continuar a discussão de forma democrática - falou o jurista enquanto massageava os dedos. - Algumas questões muito me intrigam neste caso, continuou. - Se o “alienígena” nascido em solo terrestre, como tende a ser o caso, como deveríamos então nos referir a esta criatura inominável? De alienígena, certamente não; porque para isso ele deveria atender básica a premissa de nascer fora do nosso planeta. Seria ele então uma besta icorrigível, um estrangeiro, imigrante ilegal? Ou o adotaremos como filho de nossa pátria conferindo a ele todos os direitos e deveres que nos são oferecidos, admitindo assim a criatura como uma cidadã mossoroense? Poderia a besta votar e eleger seus líderes, exercendo sua plena cidadania? Dito isso, alguém toma a frente; era um político.

Alheio ao discurso do político estava o obstetra, profundamente obcecado no processo de amolar um bisturi num pedaço de pedra. - Cesariana. - respondeu obstetra, por mais que ninguém houvesse lhe feito pergunta. - Basta uma incisão superficial, de maneira a não comprometer a estrutura citoplasmática do óvulo e teremos uma visão mais precisa do estado de gestação do feto, se assim podemos chamar este filho de chocadeira. E então, como selando um acordo, o obstetra rasgou o ar com golpes violentos de bisturi, fazendo zunir um zunido agudo e gritar desesperadamente um curioso que observava a tudo perto demais.
- Minha orelha! - gritou o curioso enquanto procurava algo no chão. - Sem ouvidos estou arruinado! Arruinaaaado! – e então colheu um pedacinho misesável de carne no chão, alguma parte do que um dia foi sua orelha esquerda, e fugiu em disparada.
A violência com que o obstetra partiu a orelha do curioso deixou o gourmet profundamente chocado [ao contrário do ovo alienígena, que permanecia incólume], de modo que o homem decidiu intervir. - Calma, calma, foi apenas um acidente envolvendo uma lâmina afiada - amenizou o Gourmet se, aproximando do ovo. - E depois, não podemos fazer omelete sem quebrar uns ovos, não é? - O gourmet, que estava mais para comediante ruim, recebe do público somente um silêncio constrangedor. - Pois bem, o meu forte é a cozinha, re-re. Que tal aproveitarmos este evento raríssimo para fazer de Mossoró um destino gastronômico obrigatório? Faremos dos ovos a bandeira da nossa culinária típica. E se me permitem, adianto que minha especialidade são ovos; ninguém os prepara melhor que eu. Cozidos, mexidos, fritos… até mesmo omeletes. Sim, com sal e manteiga na medida certa podemos fazer um milagre com ovos. - Mais uma vez o gourmet recebeu um silêncio constrangedor do público. Procurando por alguém que lhe apoiasse, tentou identificar o político na multidão, mas ele já havia ido embora.

Assim, com cada um dando sua opinião, o dia segue sem muitos avanços. O sol percorre o céu mossoroense de lado a lado, enquanto torra em terra a paciência de todos: dos especialistas, de Seu Concriz e até mesmo a nossa. Lá pras seis da tarde a noite cai.

Direto do Bunker, Natal.
22 de setembro de 2008.
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