terça-feira, 10 de março de 2009

Pensei que só eu tava ficando velho

Patrício Jr.

Vem aí a Festa Anos 90
Texto publicado originalmente no PLOG em 05/03/09
A cada década, resgatamos algo de 20 anos atrás. Comecei a esboçar essa teoria quando me deparei, no início dos 2000, com as Festas Anos 80. Previ, então, num comentário perdido em um dos reboots do blog de Marlos Ápyus, que logo mais estaríamos mergulhando nos revivais dos anos 90. Eu mesmo não levava a previsão muito a sério. Até que chegamos em 2009.
Talvez você não tenha percebido, mas uma silenciosa conspiração vem sendo articulada meticulosamente desde a primeira Festa Anos 80 que não bombou. Naquela noite de pouca gente e muito prejuízo, os mestres do revival começaram a pensar em como trazer os anos 90 de volta. Suas ações covardes incluíam renascer a calça corsário, fazer um remake de Barrados no Baile e, covardia das covardias, renascer das cinzas do ostracismo a boyband Backstreet Boys. Todas as etapas do plano maquiavélico, como você pode ver, foram executadas com sucesso.
A calça corsário voltou disfarçada de legging, com a moderninha cantora Kate Perry sendo a embaixatriz da nova velha moda. O canal Warner já exibe desde fevereiro o remake de Barrados no Baile, rebatizado nesses tempos de internet com o superbadalado nome de “90210” (em alusão ao título em inglês do original, “Beverly Hills 90210”). Por fim, o Backstreet Boys está de volta, inclusive com turnê pelo Brasil (dois shows, um no Rio e outro em São Paulo, ainda esta semana). O terreno, perceba, está preparado para a década de 90 voltar com tudo.
O meu temor vem do fato de que esses revivais sempre resgatam o mais pobre da produção cultural da época pseudo-homenageada. Vide Festas Anos 80. Você realmente acha que naquela década só se ouvia Menudos e Balão Mágico? Ora bolas, eu que era criança já ia além disso. Tinha Depeche Mode, R.E.M., U2; tinha Plebe Rude, Capital Inicial, Paralamas. Ah, e Legião Urbana tinha mais músicas que “Ainda é cedo” e “Que país é esse?”. Não posso sair desse parágrafo sem agradecer a meus irmãos mais velhos. Graças a eles não me resumi a um acéfalo fã de Xuxa.
Porém, vivi bem mais os 90. Com o grunge sujando a cena rock que andava bem mulherzinha no final dos 80. Com a eletrônica quebrando os paradigmas da forma de desfrutar a música. Com o underground vindo à tona como há anos não acontecia. Eu ouvia – e temo que ainda ouço – Nirvana, Stone Temple Pilots, Pearl Jam (“Ten” continua sendo um dos melhores discos de todos os tempos), Blur, Green Day, Radiohead (e como eu rasgava a garganta no refrão de “Creep”). Eu ouvia Cramberries, Garbage, No Doubt (“Tragic Kingdom” está todinho no meu iPod), Smashing Pumpkins, Björk (quem delirou com a primeira audição de “Debut” que levante o braço). Eu ouvia O Rappa, Planet Hemp (“quem é que joga a fumaça pro alto?”), Chico Science, Cássia Eller, Raimundos (“foi num puteiro em João Pessoa, descobri que a vida é boa, foi minha primeira vez”). Mas nem se anime: com exceção de um hit ou outro que tocou até a exaustão nas rádios, pouca coisa desse pessoal será resgatada. Ao invés disso, teremos, isso sim, uma enxurrada de música muito ruim – que sim, eu também ouvia, não vou bancar o erudito; mas nunca pensei que iria pagar tão caro por esse crime sendo atormentado por um resgate delas anos depois.
O primeiro grito de “uhuuuuu” que você vai ouvir ao entrar na Festa Anos 90 vai ser quando o DJ (algum ex-locutor da Transamérica, com certeza) colocar “Barbie Girl” da – graças a Deus –esquecida banda Aqua. Vai ser um tal de meninas com calça corsário cantando umas pras outras “I’m a Barbie girl, in a Barbie world” que não tá no gibi. Depois desse começo efusivo, claro, o DJ vai encaixar algum sucesso pegajoso do Ace of Base (que foi uma espécie de ABBA dos anos 90). Pra resgatar em grande estilo o início da década, teremos ainda Double You (implorando “Please, don’t go, don’t goooooooooooooo”), o gaguinho Scatman (e a primeira música pleonástica da história da cultura pop, “I’m a scatman”) e Vanilla Ice com seu “Ice ice baby”. Em seguida, como de praxe, dois itens que não podem faltar em nenhuma Festa Anos 90: Hanson (“mmmmm bop”) e Spice Girls (“I wanna ha, I wanna ha, I wanna ha, I wanna zig zig zig zig zig zig ah”). Pra finalizar a noite, depois que todo mundo perder a vergonha e se entregar ao saudosismo nosso de cada dia, o DJ dará seu golpe de misericórdia: É O Tchan, Negritude Jr. e Molejo animarão a noite de grandes clássicos da década até o sol raiar.
É preciso dizer que não estou inventando moda. A tão temida festa já acontece prematuramente desde o ano passado em algumas cidades do Brasil sob a alcunha de “Festa Barrados no Baile”. Pra vocês terem idéia da gravidade real dessa ameaça, o termo “festa anos 90” tem 296 mil ocorrências no Google, quase metade das ocorrências para “festa anos 80” (que soma 759 mil).
Mas ainda é só o começo. A Warner já anunciou um remake de “Melrose Place”, série derivada de “Barrados no Baile” que também fez um sucesso danado naqueles tempos. O xadrez, mesmo tendo sido a estampa do Santo Sudário de Kurt Cobain, voltou com tudo para as lojas. A Globo fez a séria ameaça de trazer de volta pra sua grade de programação o extinto “TV Colosso”. E Fernando Collor de Melo, aquele que tinha aquilo roxo, foi eleito essa semana Presidente da Comissão de Infra-estrutura do Senado, órgão que organiza a pauta de votação das solicitações de verbas a serem incluídas no PAC. Os anos 90 estão mesmo de volta. E, como toda década, não traz apenas boas lembranças.

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