terça-feira, 10 de março de 2009

Pipa ou Golandim?

Patrício Jr.


Ler o jornal com visão crítica faz a gente enxergar coisas impressionantes. Não que eu tenha a mais apurada das visões críticas. Definitivamente não. Mas alguns fatos, por tão gritantes, não me escapam. Um desses é a notícia de que a Secretaria Estadual de Segurança Pública trata como prioridade total a investigação da morte do sueco Gert Bjorn Skytte Sandgren.
O crime aconteceu no domingo, dentro de um dos mais luxuosos hotéis da praia de Pipa. Um assaltante, ainda não identificado, invadiu o resort e rendeu o porteiro. Com ele, foi de quarto em quarto procurando algo para roubar. Quando invadiu o do sueco, diante do susto da mulher que acompanhava o turista, acabou disparando antes de fugir. A bala atingiu em cheio o coração de Gert Bjorn, que faleceu no local. Um crime brutal, sem dúvidas. Mas infelizmente, apenas mais um crime.
Na edição de hoje do Diário de Natal, página 3 do caderno Cidades, a notícia de que um efetivo policial de 80 homens foi mobilizado para prender o assassino (que, suspeita a polícia, é um morador da região responsável por outros assaltos a pousadas) toma uma página inteira. E quase ofusca outra triste tragédia: uma estudante de 16 anos foi estuprada por dois homens armados no Golandim, em São Gonçalo do Amarante, por volta das 22h da segunda-feira. Até o momento, nenhum efetivo extra foi destacado para investigar o crime.
O paradoxo exposto pelas duas notícias é perturbador. Não existe um crime pior que o outro, claro. Em ambos, pessoas foram atingidas, vidas foram destroçadas e danos irreversíveis foram perpetrados. Justamente por isso, não consigo entender quais os motivos que levaram a Secretaria de Segurança a tratar o assassinato do sueco como prioridade. Impossível não concluir: ser assassinado em Pipa é mais vantajoso que ser estuprado no Golandim.
Evitarei entrar na discussão legal desses fatos (por mais que, em meu parco conhecimento do Direito Penal, entenda que um estupro é mais brutal que um latrocínio). Enveredo, ao invés disso, pelas teorias da comunicação. Acredito que o esforço da polícia em prender o assassino do sueco se deve, unicamente, à repercussão do caso. Meninas do Golandim são estupradas todos os dias, ora bolas. Não dá Ibope. Mas um turista sueco, gente, não é todo dia que é friamente abatido.
O secretário estadual de Segurança Pública e Defesa Social, Agripino Oliveira Neto, afirmou que o efetivo extra já estava nos planos da polícia antes do crime. Abre aspas: “A prioridade era o carnaval. Mas tínhamos planos de enviar reforços para a região depois das festividades”. No melhor estilo “desculpa de amarelo é comer barro”, a declaração do secretário soa muito mais como uma antecipação às críticas que por ventura viessem a surgir diante de tamanho empenho em solucionar o tal crime que abalou a Pipa. Sejamos sinceros: se a vítima houvesse sido o porteiro ao invés do turista, nenhum efetivo extra seria deslocado pra região.
O triste quadro da segurança pública brasileira é pintado dessa forma. Quanto mais repercussão tem um caso, mais competência demonstram as autoridades para resolvê-lo. É a distorção da Era BBB: conta muito mais aquilo que é noticiado do que aquilo que efetivamente aconteceu. Por essa lógica cruel, os crimes solucionados que não ganham páginas de jornal, criando, portanto, repercussão zero, são tratados apenas como páginas de um arquivo-morto.
Conselho: da próxima vez que você for vítima de violência, faça bastante barulho. Se deseja mesmo que o crime seja solucionado, rasgue as próprias roupas, finja que perdeu um bebê, cometa automutilação. Se você estiver no Brasil, vai dar muito resultado.

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