domingo, 9 de março de 2008

Resenha de O Orfanato

Por: Diego Benevides

Sucesso na Espanha, “O Orfanato” chega ao Brasil com a proposta básica de ser mais um filme de suspense. Porém, a forma como é realizado e as estratégias usadas para envolver o espectador são admiráveis. Um filme que talvez passe despercebido do público brasileiro, mas que oferece uma experiência ousada a quem se entrega a história.


Filmes sobre crianças com amigos imaginários já foram feitos, bem como pais que procuram seus filhos desaparecidos ou envolvidos com algum tipo de efeito sobrenatural. A trama central de “O Orfanato” a priori é clichê. Laura (Belén Rueda) volta para a casa onde foi criada durante a infância e decide acolher crianças especiais que precisam de cuidados. A tranqüilidade é quebrada quando Símon (Roger Príncep), filho de Laura, passa a conviver com mais amigos imaginários do que estava habituado. Cada vez mais presenciando coisas estranhas envolvendo o filho, Laura passa a suspeitar que algo de errado está acontecendo.

Durante a festa de inauguração do orfanato, Laura se desentende com Símon, que some do local. A partir daí, a mãe desesperada e Carlos (Fernando Cayo), o pai, passam a procurar o filho pela casa, estendendo a busca por meses, sempre suspeitando que os amigos imaginários o levaram para algum lugar. Nesse meio tempo, acontecimentos sobrenaturais perturbam a vida de Laura, ao passo que ela vai descobrindo mais sobre o passado do lugar e seus habitantes. A personagem vive um intenso terror psicológico até descobrir como solucionar seus problemas.

O debut do cineasta Juan Antonio Bayona não podia ser mais decente. O diretor aposta em um formato interessante para construir os momentos do filme, sem deixar a tensão cair drasticamente. Bayona dirige com dinamismo e cria planos de dar inveja a diretores de suspense hollywoodianos. Aliás, por mais que “O Orfanato” siga um gênero fadado em Hollywood, jamais cai no mal gosto de ser um enlatado descartável. O diretor transforma o que podia ser um roteiro simples em um show estético imperdível, com momentos de tirar o fôlego e usando estratégias básicas do cinema clássico em algumas ações.

Bayona trabalha o suspense por antecipação, muitas vezes enganando o espectador que pensa em levar susto. O frio na barriga é muito mais devorador do que a certeza de um pulo da cadeira. Bayona é prepotente. Dá velocidade à câmera quando quer desnortear o público, e trata com lentidão buscando um resultado tenso em cena. O diretor aproxima o personagem ao máximo, sem tratá-lo com desconsideração como acontece em alguns suspenses americanos. Ele está muito mais preocupado em causar um terror psicológico da protagonista, do que pender para as resoluções fantasmagóricas. Já quando trata do sobrenatural, dispensa formatos monstruosos de mau gosto e apela para o visualmente amedrontador.

Poderia citar inúmeras tomadas memoráveis do longa que transpuseram a ousadia e inteligência de Bayona ao se integrar aos diretores latinos de maior futuro cinematográfico, como acontece com Guillermo del Toro. Em um determinado momento, Laura recebe a ajuda de uma médium que analisa o local e tem uma experiência mediúnica na casa. Todos assistem através de monitores em infravermelho a personagem da magnífica Geraldine Chaplin entrando em transe e se deparando com eventos paranormais. A tensão vouyerista criada ainda é maior porque o diretor opta por não registrar a visão da médium, ou seja, sem mostrar os “fantasmas”, já que seria muito mais eficiente questionar e compactuar com as imagens vazias e simplesmente com o contato pessoal dela com as entidades.

Ainda vale a pena citar nos momentos finais do longa quando Laura executa uma brincadeira para que, pouco a pouco, os fantasmas apareçam para ela. A câmera frenética que vai e vem, sempre revelando algum novo elemento em cena, é ambiciosa e incrivelmente eficaz. Bayona domina os recursos de câmera e engana algumas vezes o espectador quando seus movimentos são subjetivos, sempre dando a impressão de que a protagonista está sendo observada e prestes a ser atacada por algo. A inteligência de uso de Bayona em cena ainda é somada a fotografia escura e arrepiante de Óscar Faura, premiado pelo projeto. Faura não só consegue assustar, como também forma um paradoxo interessante com as tomadas rodadas na claridade, inquietando por mostrar pateticamente que as coisas estão “normais”.

Todos os aspectos técnicos são favorecidos pela edição do longa, que segue uma narrativa que se auto-descobre durante a projeção. Inclusive a forma como a história se desfecha, em uma fusão maravilhosa de realidade e imaginário, dá um ótimo fim à trama. Todo esse trabalho também é mérito do roteirista Sérgio G. Sánchez, pouco conhecido, mas que já ganha com “O Orfanato” boas referências para trabalhos futuros. Sánchez é cruel com um sorriso no rosto e sabe as diversas sensações que pode causar no público. O roteirista ainda trabalha perfeitamente a referência ao Peter Pan, narrada do começo ao fim. Na realidade, o longa é isso: uma mostra de uma equipe dedicada e que acredita no projeto não como um qualquer, mas como um que faz o público sair instigado a refletir ao sair da sala.

O elenco ajuda completamente para a dissolução da história. Belén Rueda, que interpretou um personagem inesquecível em “Mar Adentro”, agora marca seu rosto mais uma vez. A atriz praticamente sustenta o filme nas costas, precisando dar uma interpretação fora do convencional já visto nas produções do gênero para conseguir o diferencial. Desnuda de maquiagem na maioria do tempo, cria uma mãe selvagem à procura do filho, sem ser simpática, mas fazendo o público torcer de alguma forma por ela. Essa falta de simpatia completa é favorável, visto que a solução final para os problemas exige que a personagem seja levemente distante do carisma do espectador. O elenco em geral traz performances razoáveis, tendo maior destaque a já citada Geraldine Chaplin, além da ponta de Edgar Vivar, que interpretou o Sr. Barriga e o Nhonho na série “Chaves”.

Basicamente competente, “O Orfanato” erra apenas em se alongar em alguns momentos de sua parte final, mas sem prejudicar tanto o longa em si. Ainda que bem desenvolvido, alguns clichês do gênero poderiam ter sido evitados na construção de uma história mais original, mas nem isso é motivo para reclamações, já que o resultado em geral é positivo. Um longa que merece ser conferido pelo conteúdo e facilidade em transtornar o psicológico de quem assiste.



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Não consigo mensurar quem é o 2º no mundo: o cinema espanhol, ou o italiano e por fora ainda vem o indiano.

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